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PLANTAS TRANSGÊNICAS

 Foto: André L.S. Lacerda


1. INTRODUÇÃO

Nos últimos vinte e cinco anos, descobertas científicas que ocorreram principalmente nas áreas de biologia celular e molecular, combinadas com avanços nas áreas de química e microeletrônica produziram novas tecnologias que, já na década de oitenta, modificaram todos os setores tecnológicos e industriais relacionados com a biologia, entre os quais, a agricultura.

Pela tecnologia do DNA recombinante, genes de praticamente qualquer organismo, podem ser isolados, caracterizados, modificados e transferidos para qualquer outro organismo onde, sob o comando de promotores adequados, se expressam em quantidades desejadas em células e tecidos específicos, sob preciso controle temporal. Foram, assim, eliminadas as barreiras biológicas que isolaram os genomas, como conseqüência de milhões de anos de evolução.

A transformação genética de vegetais permite a introdução de genes específicos no genoma de cultivares comerciais. Esta tecnologia vem auxiliar os programas de melhoramento, permitindo o fluxo de genes para plantas, os quais seriam impossíveis de serem transferidos através de cruzamentos sexuais ou fusão de gametas. As plantas obtidas no processo de transformação genética devem ser introduzidas em um programa de melhoramento para o desenvolvimento de novas cultivares.

O uso de plantas geneticamente modificadas tem gerado uma séria polêmica em diversos países, inclusive no Brasil, no que diz respeito à biossegurança e a rotulagem dos produtos comercializados. As empresas de biotecnologia, por sua vez, buscam associar os cultivos transgênicos ao novo paradigma agrícola, capaz de resolver os problemas mundiais de alimentação e saúde. Porém, a sociedade já começa a perceber que a pressão e a urgência para a introdução dos cultivos geneticamente modificados nada têm a ver com a solução da fome e da pobreza dos países do Terceiro Mundo, nem com a proteção ambiental. Mas, sim, com o retorno imediato dos vultuosos investimentos feitos por estas grandes companhias, prevalecendo, então, os interesses comerciais. A biotecnologia não pode isoladamente resolver todos os problemas da fome, podendo fazer parte de um programa de crescimento global da agricultura, baseado no desenvolvimento econômico e educacional.

Segundo dados da Associação das Empresas Nacionais de Defensivos Agrícolas, (AENDA), a biotecnologia vai afetar alguns mercados importantes, em particular o de agroquímicos, que movimenta em todo o mundo US$ 30 bilhões, e o de fertilizantes, que representa US$ 50 bilhões. O Brasil consome 6,2 % dos agroquímicos mundiais, representando um faturamento anual de US$ 2 bilhões.

As empresas químicas estão adquirindo as produtoras de fármacos e de sementes, numa clara evidência da fusão desses setores, agora denominados "Ciências da Vida". Os programas de pesquisa em melhoramento vegetal estão sendo integrados às novas técnicas biotecnológicas, a fim de solucionar problemas oriundos do processo usual de seleção. Mas, os reflexos desses negócios estão sendo questionados pela sociedade, especialmente pela centralização das coleções de germoplasmas por poucos grupos econômicos multinacionais.

Os países em desenvolvimento estão relativamente atrasados na pesquisa e emprego de plantas transgênicas. No Brasil só agora os primeiros cultivares de soja serão liberados para os agricultores. Recentemente, a atuação dos pesquisadores brasileiros tem merecido destaque devido, principalmente, ao grande êxito do projeto GENOMA da FAPESP, embora nossos pesquisadores estejam sendo capacitados em biotecnologia desde a década de setenta.

No presente artigo procurou-se descrever esta nova tecnologia, as controvérsias sobre os seus impactos ambientais e as potencialidades do seu emprego no Brasil, bem como seus reflexos no negócio agrícola e na geração de tecnologias nacionais.

2. TRANSFORMAÇÃO GENÉTICA DE PLANTAS

Um caminho que tem sido utilizado é a busca de características agronomicamente importantes em espécies selvagens afins das espécies cultivadas. Este caminho, entretanto, nem sempre é viável, uma vez que barreiras de isolamento reprodutivo podem impedir o sucesso no cruzamento. É importante salientar também que, sempre que for utilizado o método de cruzamento, seja intra-específico (entre plantas de uma mesma espécie), como interespecífico, mesmo que o melhorista esteja interessado em uma ou poucas características, grandes blocos de genes são transferidos da planta doadora para a receptora, mesmo após várias gerações de seleção. Por exemplo, quando comemos tomates, estamos comendo material que porta genes de resistência a doenças que foram introduzidos nas cultivares a partir de espécies selvagens aparentadas, juntamente com milhares de outros genes inevitavelmente transferidos ao mesmo tempo e que não eram encontrados na espécie cultivada.

Uma outra alternativa, bastante utilizada no passado para o aumento de variabilidade, foi à indução de mutações por radiações ou mutagênicos químicos, na expectativa de obtenção de variantes agronomicamente vantajosas. Como a mutação induzida não pode ser direcionada a genes específicos, não se tem controle dos genes que estão sendo alterados.

A revolução na ciência, nas últimas décadas, derivou do avanço no conhecimento de como as células e os organismos funcionam em nível molecular, bioquímico e fisiológico, juntamente com o desenvolvimento de técnicas que permitem a transferência de genes específicos de um organismo para outro. Isto significa que podemos obter uma planta transgênica pela transferência de um ou poucos genes, identificados com precisão e com função conhecida. Neste sentido, a produção dessas plantas é um processo muito mais controlado e conhecido, permitindo o desenvolvimento de novas cultivares mais rapidamente do que quando utilizados os métodos convencionais.

Independentemente do organismo e de sua complexidade, os genes são segmentos de um mesmo tipo de molécula: o ácido desoxirribonucléico - DNA. Esta característica permite que os genes de um organismo sejam potencialmente funcionais em outro. Com o advento da tecnologia do DNA recombinante, foi aberta a possibilidade de isolar e clonar genes de bactérias, vírus, plantas e animais, introduzi-los e expressá-los (fazer com que funcionem) em plantas. Dessa forma, a barreira do cruzamento entre espécies e até entre diferentes reinos foi ultrapassada.

A transformação genética ou engenharia genética tornou possível também à remoção ou a inativação de genes indesejáveis, bem como a modificação de genes da própria planta, que atuam em rotas metabólicas específicas, para melhorar a qualidade do produto (ex. tomates geneticamente modificados que permanecem firmes por períodos mais longos). Genes que controlam substâncias tóxicas ou alergizantes podem ser inativados.

As primeiras plantas transgênicas foram desenvolvidas em 1983 quando um gene codificante para a resistência contra o antibiótico canamicina foi introduzido em plantas de fumo. O sucesso inclui as principais culturas de importância econômica, plantas ornamentais, medicinais, frutíferas, florestais e forrageiras. A maioria dos genes transferidos, até o momento, foi retirada de bactérias ou vírus, o que é explicado pela facilidade de isolá-los destes organismos, pois têm genomas menores.

As plantas são produzidas sob condições de cultura de tecidos em laboratório. O seu estado transgênico é revelado pela expressão do transgene inserido. A integração estável do gene exógeno ao genoma da planta, bem como o número de cópias inseridas são confirmadas por análises de hibridização de DNA. Após análises iniciais em laboratório, são avaliadas em casa de vegetação tendo como controle o genótipo original, ou seja, o não transgênico. O teste final é sua performance a campo, que permitirá verificar a estabilidade da característica introduzida bem como avaliar outras características agronômicas pertinentes.

Para a obtenção de uma planta geneticamente modificada são necessários: um gene de interesse; uma técnica para transformar células vegetais através da introdução do gene de interesse nestas; e uma técnica para regenerar, a partir de uma só célula transformada, uma planta inteira. Após esta última etapa, temos uma planta geneticamente modificada, porque contém, além dos genes naturais, um gene adicional proveniente de um outro organismo, que pode ser uma planta, uma bactéria ou até um animal.


 2.1. Genes de interesse

O isolamento de genes é, hoje, uma técnica dominada pela ciência. Diversos genes de interesse agronômico já foram isolados. Como o gene que codifica uma proteína de alto valor nutricional, presente na castanha-do-pará. Este gene poderia ser usado para aumentar o valor nutricional de algumas culturas importantes, como por exemplo, o feijão, soja e ervilha. Também estão disponíveis genes que codificam proteínas capazes de modificar herbicidas, inativando-os. Deste modo, culturas contendo este gene poderiam se tornar resistentes ao herbicida, facilitando o controle de plantas daninhas. E por fim, genes bacterianos que codificam proteínas com propriedades tóxicas para insetos, os quais ao se alimentarem de plantas expressando este gene morreriam ou se desenvolveriam com menor eficiência, levando ao seu controle na cultura.

Nestes exemplos, trata-se de características monogênicas, onde o fenótipo é determinado pela expressão de um único gene. Mas é necessário salientar que, muitas vezes, certas características importantes são definidas por vários genes, como resistência à seca, salinidade ou acidez do solo. Todas são provavelmente produtos de ações coordenadas em tempo e em espaço de baterias de genes, e devido a esta complexidade, a identificação de todos os componentes genéticos para este tipo de características ainda está no início, em laboratórios no mundo inteiro.

2.2. Transferência dos genes de interesse 

Após o isolamento do gene de interesse, a etapa seguinte para a obtenção de plantas transgênicas é a inserção do gene isolado em células vegetais. Algumas técnicas para alcançar este objetivo já foram desenvolvidas e serão descritas a seguir.

a) Agrobactéria – há bactérias no solo, do gênero Agrobacterium, que se associam as plantas dicotiledôneas, causando-lhes tumores. Durante a infecção, a bactéria é capaz de inserir seus próprios genes no genoma da planta. Estudos demonstraram que estes genes estão codificados no DNA de grandes plasmídeos de Agrobacterium, os plasmídeos Ti (indutores de tumores), em um segmento de DNA denominado de T-DNA (DNA transferido). O T-DNA, carregando os genes bacterianos, integra-se ao genoma da planta, que passa a expressar estes genes. Esta expressão resulta na síntese de auxinas e citocininas, que levam à formação de tumores em plantas, e aminoácidos modificados (opinas), substâncias necessárias para a sobrevivência da bactéria. Através desta estratégia, a agrobactéria transfere alguns de seus genes para a planta, com os seus plasmídeos Ti, que representam vetores naturais de transferência de material genético para plantas. Para aproveitar-se destas propriedades naturais para a transferência de genes de interesse em plantas, é necessário eliminar as características indesejáveis do T-DNA, mantendo a sua capacidade de integrar-se ao genoma da planta hospedeira. Os genes responsáveis pela formação de tumores devem ser eliminados e, no lugar deles, devem ser inseridos os genes de interesse. Com o uso das chamadas enzimas de restrição, é possível executar a substituição destes genes sem interferir nas propriedades que permitem a integração do T-DNA ao DNA da célula hospedeira. Assim, qualquer gene pode ser introduzido em uma célula vegetal utilizando-se esta ferramenta oferecida pela própria natureza.

b) Transferência direta de genes – neste caso, os genes são inseridos diretamente na célula vegetal, sem intermédio da agrobactéria. Este tipo de transferência de genes é o método de escolha quando se trata de plantas monocotiledôneas. A transferência de genes é alcançada por um dos seguintes métodos:

eletroporação de protoplastos e células vegetais – protoplastos são células vegetais desprovidas de parede celular. Para a transformação, estas são incubadas em soluções que contêm os genes a serem transferidos, e, em seguida, um choque elétrico de alta voltagem é aplicado por curtíssimo tempo. O choque causa uma alteração da membrana celular, o que permite a penetração e eventual integração dos genes no genoma. O mesmo princípio também pode ser aplicado para células vegetais, porém, a taxa de transformação é mais baixa.

biolística ou biobalística – esta outra técnica, de característica bastante bélica, para a transformação de células ou tecidos vegetais e animais, que foi introduzida no início da década de 80, trata-se do método de biolística, anteriormente chamado de balística. É baseada no princípio da arma de fogo, a diferença é que na engenharia genética, em vez de projéteis de chumbo, utiliza-se micro-projéteis de ouro ou tungstênio, cobertos com os genes de interesse. Esta munição biológica é acelerada com pólvora ou gás em direção aos alvos, que neste caso são os tecidos vegetais. Os genes entram nas células junto com o projétil e se integram ao genoma celular.

2.3. Regeneração das plantas a partir das células transformadas

Uma vez inserido o gene na célula vegetal, por um dos métodos mencionados anteriormente, esta célula ou grupos delas são estimulados a gerar uma planta inteira transformada. A transformação de uma célula vegetal é um tipo de manipulação genética que atende ao mesmo princípio da transformação de microorganismos, estabelecido pela primeira vez em 1973, quando Stanley e Cohen, em San Francisco, introduziram o gene proveniente de uma rã dentro de uma bactéria. No entanto, há diferenças conceituais entre a situação com microorganismos e com plantas: nos primeiros, o objetivo final são mudanças operadas ao nível celular, enquanto que em eucariotos superiores, como plantas e animais, as mudanças obtidas ao nível celular não são significativas, a não ser que possam ser transferidas para todas as células do organismo. O domínio das técnicas de regeneração de plantas inteiras a partir de uma única célula é condição primordial na biotecnologia aplicada para a agricultura. E como cada espécie de planta tem diferentes exigências hormonais, nutricionais e ambientais para a regeneração, esta etapa ainda representa o maior entrave na criação de plantas transgênicas, embora esta técnica já esteja estabelecida para inúmeras de interesse econômico.

Foto: André L.S. Lacerda

3. IMPACTOS AMBIENTAIS E SOCIAIS

O tema alimentos transgênicos tem causado muitos debates, por ser extremamente polêmico, tanto do ponto de vista ambiental, como social.

Há pesquisadores que ressaltam que é necessário medir a segurança biológica da convivência das tecnologias com a sobrevivência dos organismos vivos. Precisamos estar atentos à relação entre a biotecnologia e a biodiversidade. Afirmam que se não usarmos de forma sustentável os recursos da natureza, a vida na Terra corre o risco de se extinguir dentro de 50 anos. Com o uso desordenado da biodiversidade, a taxa de extinção das espécies, hoje, é mil vezes maior que a taxa histórica medida há 50 anos. Até o final do século, calcula-se que três quartos das espécies estarão extintas. Ela afirmou ainda que outro fator que colabora para a extinção é a própria migração humana.

No que se refere aos alimentos transgênicos propriamente ditos, pode-se citar alguns aspectos negativos e positivos.




A Associação Médica Britânica (BMA) pediu moratória por período ilimitado para as colheitas e os alimentos transgênicos, alegando haver poucas pesquisas relacionadas com o impacto sobre a saúde dos consumidores e o meio ambiente. Pediu também, regulamentação e fiscalização rigorosas das colheitas e da industrialização das chamadas “Frankenstein food”, até que se tenha certeza científica sobre os riscos e os possíveis benefícios dos organismos geneticamente modificados.

A reação da classe médica inglesa é grande, criticando o uso de “marcadores de genes” nas colheitas transgênicas, por entender que isso ajuda a criar uma cepa de bactérias resistentes aos antibióticos, como já ocorreu com alguns. A utilização de marcadores de genes resistentes aos antibióticos nos alimentos transgênicos é um risco inaceitável, por menor que seja, à saúde dos indivíduos, afirma a BMA.

Algumas técnicas afirmam que estudos de impacto ambiental não foram realizados em nenhum lugar do planeta, apenas tem se avaliado as performances agronômicas da soja transgênica.

Um problema divulgado na revista “Nature”, diz respeito a uma pesquisa da Universidade de Cornell, dos EUA. Nela, lagartas de uma espécie de mariposa morreram ao se alimentar de folhas impregnadas com pólen de milho transgênico, chamado Bt. Nesse milho modificado, um gene de bactéria adicionado ao seu material genético faz com que a planta produza o inseticida Bt e, ao comer qualquer parte da planta-inseticida, a praga do milho morre. O inseticida, no entanto, não seria eficaz em humanos.

Países como Estados Unidos, Inglaterra, Suécia, Japão e França, têm demonstrado oposição aos transgênicos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Archer Daniel Midland Co. and A. E. Staley Manufacturing Co., dois dos maiores produtores mundiais de milho, com sede em Decatur, Illinois, anunciaram que não aceitarão variedades de milho geneticamente modificadas. O anúncio refere-se ao milho da Monsanto resistente ao herbicida Roundup e variedades de milho Bt. Já, no Japão, de 3.300 associações (“governos locais”), 2.200 tem solicitado do governo nacional uma identificação obrigatória para os alimentos geneticamente modificados.

Na Inglaterra, estudos confirmaram que ratas alimentadas com batatas modificadas geneticamente, sofreram danos importantes no seu desenvolvimento. Também na Inglaterra, as filiais da Nestlé e Unilever anunciaram que não utilizarão cultivos transgênicos na elaboração de seus produtos. Esta decisão chegou pouco depois de que as principais cadeias de supermercados do país decidiram eliminar os ingredientes de origem transgênica de seus produtos com suas próprias marcas.

Na França testes em laboratórios demonstraram que milho semeado em campos vizinhos sofreu contaminação através do pólen de uma variedade de milho transgênico desenvolvido pela Novartis (BT-176). O grau de contaminação foi de 5% na bordadura e 0,2% a cinco metros. O risco desta polinização cruzada de plantas geneticamente modificadas com seus parentes selvagens foi sugerido como um grande problema para a liberação de plantas transgênicas. Acreditava-se que o fluxo gênico entre espécies selvagens e cultivadas trabalhadas pelos melhoristas, como nanismo, ausência de dormência seriam desinteressantes às plantas selvagens. Com o melhoramento, e principalmente a biotecnologia voltando-se para a fixação de nitrogênio, resistência a pragas, doenças e tolerância a herbicidas e estresse, esta visão foi modificada, pois estas características são igualmente interessantes às espécies selvagens. Por outro lado, em girassol foi observado fluxo gênico entre plantas transgênicas e normais na distância de 1.000 metros. Esses dados revelam que de fato o fluxo gênico ocorre em condições naturais e que é possível que um gene de tolerância a herbicidas seja transferido de uma planta transgênica para uma espécie selvagem, o que originaria uma planta daninha muito mais difícil de ser controlada.

A biotecnologia pode contribuir diretamente com a redução nos custos de produção.  Empresas afirmam que os produtos transgênicos que facilitam o controle de plantas daninhas e insetos estão provocando impacto positivo nos Estados Unidos, e que podem reduzir o uso de inseticidas de 10 a 40%. A empresa divulga também que nos Estados Unidos, a biotecnologia eleva em 9% a produção de soja. Os custos também são reduzidos, no milho o percentual chega a 5% e na soja 4%. A rentabilidade com a utilização da biotecnologia foi de 14% no milho e 12% na soja. Na cultura do algodão mais de 1 milhão de litros de inseticidas deixaram de ser aplicados anualmente. Porém, informações mais pormenorizadas sobre esses dados são escassas.

No Brasil, a discussão está pautada muito mais na opinião pessoal de pesquisadores e políticos do que em informações objetivas sobre o assunto.

4. DISCUSSÃO

As perspectivas do emprego das plantas transgênicas no Brasil dependerão, principalmente, da aceitação desses produtos pela sociedade e da própria dinâmica da agricultura, incluindo os processos de geração e difusão de tecnologias.

Por isso é fundamental separar as questões técnicas das econômicas e comerciais. Atualmente, há predominância da abordagem comercial na mídia, com um debate demasiadamente concentrado em alguns poucos produtos que chegaram ao mercado nos últimos três anos, frutos da assim chamada "primeira onda" da engenharia genética.

A discussão desse item será fundamentada em dois cenários: um otimista, em que considera maior facilidade de penetração dos produtos transgênicos no mercado e maior eficiência da agricultura, e outro pessimista, em que é prevista uma forte segmentação do mercado (rotulagem) e uma relativa desestruturação da cadeia produtiva.

Na área técnica podemos ter uma rápida capacitação do Brasil na área de biotecnologia. Em breve, a Embrapa lançará cultivares geneticamente modificada oriunda de programa de pesquisa exclusivamente nacional. Exemplos de tecnologias que vêm sendo desenvolvidas pela pesquisa oficial brasileira são as batatas resistentes a viroses, feijão ao mosaico dourado e mamão a mancha anelar.

Outro exemplo positivo de investimentos nacionais nessa área é o Programa GENOMA FAPESP Xylella fastidiosa (amarelinho do citrus), Xanthomonas citri (cancro bacteriano do citrus), Sugar Cane e Human Cancer. Constituiu-se o "Virtual Genomics Institute" conectado à rede ONSA (Organization for Nucleotide Sequencing and Analysis), e destina-se ao mapeamento do código genético de seres vivos. A sigla é uma brincadeira com "Tigr" (Tigre), nome do mais ambicioso projeto genoma em andamento, o do norte-americano Craig Venter. Seqüenciar significa descobrir a ordem das bases químicas que constituírem o código de um ser vivo, ou seja, decifrar o genoma de um organismo (conjunto do código genético). Em vez de concentrar toda a verba em um único laboratório, a FAPESP identificou laboratórios em várias partes do Estado, financiou-se e montou uma rede virtual de pesquisa. Cada um recebeu um pedaço do código para analisar. Um grupo especializado em sistemas de computador da UNICAMP ficou responsável pelo controle das diversas partes envolvidas.

O dogma básico da genética se resume em DNA produz RNA que produz proteína. Partindo do RNA, pode-se recriar fragmentos de DNA chamados cDNA (c de complementar). Em geral só 3% do material genético codificam genes. E mesmo nos genes há regiões mais importantes, como a parte central.  Pesquisadores brasileiros, do Instituto Ludwig (Instituto do Câncer) patentearam um processo que permite localizar com mais rapidez os genes raros e gerar seqüências das regiões centrais, em vez de seqüenciar, identificar e localizar os genes em todo o DNA.

Empresas particulares, estão investindo mais de 10 milhões de dólares por ano nas Instituições de Pesquisa do Estado de São Paulo na área de biotecnologia. Embora os investimentos sejam relativamente grandes para um país em desenvolvimento, verifica-se que o número de pesquisadores atuantes no programa é relativamente pequeno. Considerando que em São Paulo está aproximadamente a metade dos pesquisadores do País, podemos inferir que o total de pesquisadores públicos do Brasil com dedicação nas áreas de suporte ao desenvolvimento de plantas transgênicas é menor que duzentos.  Esse número é relativamente pequeno quando comparado ao de qualquer uma das grandes Empresas multinacionais de "Ciências da Vida", além de que nossos técnicos trabalham em condições muito piores devido à escassez de instalações e facilidades.

Para se ter uma escala de valores, temos que, de acordo com dados providos pelos analistas "Contry Nat West Wood Mac"  (Edinburgh, Escócia), as 36 maiores empresas de agroquímicos e de biotecnologia agrícola gastaram em torno de US$ 390,5 milhões  no desenvolvimento de produtos agrícolas em 1990, quantia muito distante dos modestos investimentos do Terceiro Mundo em biotecnologia.

Provavelmente, nossa dependência tecnológica continuará sendo muito grande. Além disso, a migração de pesquisadores de outras áreas para trabalhar com biotecnologia, poderá subdividir ainda mais os escassos recursos humanos, prejudicando áreas de pesquisas muitos importantes para o País.

A maior participação das empresas privadas no desenvolvimento de novos cultivares, conta com uma grande participação pública, como é o caso da soja e do algodão, que poderão requerer uma maior aproximação entre instituições públicas e empresas privadas de sementes. A menor participação das instituições públicas de melhoramento de plantas poderá ser compensada com uma maior ênfase em fitotecnia. A Universidade pública poderá ter uma forte prestação de serviços na área de biotecnologia. Isso compensará, em parte, o decréscimo dos investimentos públicos em pesquisa agrícola.

Numa projeção pessimista, haverá o agravamento da dependência externa por tecnologias, pois a transferência dos principais genes será realizada em poucos laboratórios das grandes multinacionais. Com isso poderá haver desestruturação de programas públicos de melhoramento de plantas e perdas de coleções de germoplasmas nacionais.

Poderão ocorrer problemas ambientais com os transgênicos devido a deficiente assistência técnica e fiscalização pública. Talvez, essa deficiência seja contrabalançada por maiores investimentos das empresas privadas em equipes de acompanhamento de campo, contribuindo também para a melhoria do nível tecnológico dos produtores. A maior capacitação técnica dos produtores, em função do manejo mais complexo das culturas transgênicas, contribuirá para o aumento da produtividade.

Na área econômica e comercial, num cenário otimista, teremos a maior lucratividade e qualidade de vida dos produtores (menor uso de agrotóxicos); a reorganização das pequenas empresas nacionais de sementes através de parcerias com órgãos oficiais de pesquisas (mercado regionalizado e ou marginal); e o melhor atendimento das demandas dos agricultores por cultivares resistentes aos estresses bióticos (ex.: nematóides e vírus) e abióticos (ex.: tolerância ao alumínio), reduzindo a instabilidade e sazonalidade da produção.




Por outro lado, podemos aumentar o gasto absoluto por unidade de área devido ao encarecimento das sementes e insumos empregados na produção (pacote tecnológico), reduzindo o poder de barganha do agricultor e agravando o processo de concentração da terra (exclusão dos menores), enquanto os problemas de fiscalização e a ineficiência do Poder Judiciário dificultarão os ganhos comerciais das empresas.

Considerando que poderá haver um mercado para produtos não transgênicos, é questionável se os agricultores que optarem por lavouras tradicionais perderão a competitividade. Postula-se que o mercado de agribusiness seguirá uma tendência de se dividir em quatro grandes áreas: produção e comercialização com semente convencional, produção de transgênicos com tolerância a herbicidas e resistência a insetos, os transgênicos para produção de superalimentos e fármacos, e os produtos orgânicos, cultivados sem uso de defensivos químicos. Ou seja, talvez teremos espaço para agricultores e empresas produtores de sementes bem segmentados.

Não podemos esquecer que a quase totalidade das novas empresas de "Ciências da Vida" tem um vocação muito generalista e têm suas matrizes em países onde predomina a homogeneidade do ambiente.  Ao contrário, o Brasil é um país extremamente desuniforme, onde os ganhos da agricultura dependem muito do conhecimento das peculiaridades regionais. Nos primeiros anos de atuação desses conglomerados, isto poderá ser um entrave para a atuação de equipes de assistência técnica (técnicos com alta rotatividade e pouco conhecimento regional - à semelhança da área química) e a ampliação da escala de lucros das Empresas, e constituir-se num fator que frustará as expectativas e retardará os ganhos dos agricultores.

Finalmente, não podemos esquecer que a "Biotecnologia é só um passo no desenvolvimento progressivo da agricultura", necessitando da continuidade do estudo e adoção das demais técnicas agrícolas, e que antes das companhias de ciências da vida ganharem dinheiro, é necessário que novos métodos de distribuição da produção e mecanismos de proteção dos elos da cadeia agrícola sejam adotados unindo laboratórios, fazendeiros, manipuladores e processadores de grãos.

5. CONCLUSÕES 

     É preciso salientar que nada tem risco zero. Que ninguém pode prever o imprevisível, nem mesmo a ciência. Para isso devemos trabalhar sempre com risco mínimo e os produtos devem ser muito bem testados e analisados antes da liberação para consumo humano ou animal. No caso de produtos transgênicos, cada um deve ser analisado especificamente. O que precisamos é ter conhecimento do assunto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SOUSA, A. de. A polêmica nas lavouras. Panorama Rural, n.3, p.20-25. 1999.


André Luiz de Souza Lacerda possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras (1995), mestrado em Sistemas de Produção pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1999) e doutorado em Fitotecnia pela Universidade de São Paulo (2003). Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Matologia, Sistemas de Produção e Biotecnologia atuando principalmente nos seguintes temas: Meio Ambiente, OGM´s e Herbicidas.
Contato:
 
alslacer@yahoo.com.br

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